Os ciclos, como tudo na vida, têm um fim. Como gavetas que se fecham, também há janelas que teimam em não se abrir de par em par e chaves que amordaçam a tranca da porta. Há quem viva finais saudosistas, melancólicos. Finais que deixam marcas difíceis de sarar e de aceitar, que nem o beijo do tempo apaga. Para isso existem os bálsamos e o viver torna-se suportável. Estupidamente suportável quando deveria ser insustentável pela grandiosidade e magnificência do milagre da Vida. A dor cola-nos as pálpebras e não há raio de sol que penetre num coração enegrecido da fuligem da pancadaria, resultado de demasiada exposição. Num tamborilar de dedos inquietos o mesmo coração, que um dia se deixou agredir, revela-se rejuvenescido. Combalido, é certo, mas de forças renovadas por uma crença inabalável num milagre tão grande como o da Vida: o do Amor.
O Amor contou-me em surdina que ainda não é hora de abrir a porta a estranhos. Vê como ainda deambulam sonhos passados em largos mantos negros de lutos vigentes. Sussurei-lhe que nestas coisas de doer não há tempos cronometrados; cada cicatriz é única e deve ser tratada com respeito e dedicação. Um ponto mal dado e lá se vai o bordado todo. Repensei a vida incerta deste coração e bastaram-me três momentos para lhe compreender a lentidão dos tempos. Tu, outrora voz quente do Amor, levaste-me a acreditar em promessas de desejos cumpridos, numa inocência infantil. Não infantilóide; infantil, de ingenuidade crente. O problema é que amadureci e quis mais (sou uma insatisfeita por natureza). Chegou então o segundo momento. Embrenhei-me nas tuas filosofias, reconheci-me nas tuas catarses, perdi-me em cada composição melódica de permissas inacabadas. E no meu Amor tu eras perfeito sempre que crescias, de peito feito. Debaixo da tua asa protectora convencia-me que eras tu, só tu. Eventualmente chegámos ao corpo e à alma. Ao cerne essencial da questão matemática deste jogo a três tempos, porque o coração gritava dores exasperantes de união. No palco do teu corpo encenei o meu jogo de sedução e nas tuas mãos descobri-me mulher. À boca de cena agradeceste-me com beijos doces, de um desejo que mantinhas latente, por Amor. Chorei quando te vi descer do cavalo branco e seguir caminho a pé, sem olhar para trás. Pouco tiveste de príncipe nesse momento, confesso-te. Prostrei-me em oração, na certeza que sentirias a minha falta, num compasso de espera patético, enquanto o coração se desfazia em cacos e o som da solidão ecoava na mansão dos mortos em que se tornará a minha vida. Esperei por ti, de olhos postos na ténue linha do horizonte, lembrança do teu maxilar rachado na meninice. Perdi contas aos dias e deixei de traçar linhas na parede a cada anoitecer.
E, subitamente, lembrei-me. Como um formigueiro remoto num qualquer canto da alma, despertei de sorriso preguiçoso num viver feliz. Tudo o que me é inato despertou e voltei a dançar em pontas, assobiando fórmulas mágicas às pedras da calçada portuguesa. O coração, ainda em estágio nestas coisas da felicidade pura, alertou-me - é mais fácil partir um pé que já quebrara em tempos. Mas eu prossegui na dança porque, afinal de contas meu Amor, resumi-nos a três momentos. E a perfeição do viver engloba sete.
4 comentários:
até me arrepio :D
ohh *.*
estás em que ano e onde ana?'$
Dança. Que o Amor não se faz em 3 actos. E tu sabes muito Dele.
Ufa... Esta doeu.
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