sábado, 22 de outubro de 2011

O ninho.

A mãe costumava chamar-me passarinho. Eu gostava e respondia pela alcunha. Sentia o carinho fluir, quase como se me acarinhasse nos cobertores à noite. Agora que sou mais crescida talvez perceba o porquê deste diminutivo ternurento. O passarinho sempre quis abrir asas, sempre ambicionou voar mais alto e sair do ninho, cedo, cedinho. Não queria dar satisfações a ninguém e isso fez com que caísse, vezes e vezes sem conta, por ainda fraquejar nas primeiras esvoaçadelas e não saber o Norte a nada. Tudo era reluzente e atraía-a no mesmo ritmo estonteante com que uma melga é puxada para a luz. Aprendeu a custo, na maior parte dos casos, mas acabava sempre por alisar as asas, muitas vezes debaixo da asa de outros que a tomavam como protegida, e recomeçava. O passarinho sempre teve um coração maior que o frágil corpo que o albergava e acreditar era o verbo de todos os dias. Não desistia porque, no fundo da sua terna alma, sabia que desistir não era traço seu. Como? Sabia-o, como quem se descobre. Umas vezes alterava o curso da viagem, outras descobria-se em sítios desconhecidos, mas nada temia. Era um passarinho valente. É um passarinho valente. Viveu e amadureceu com essa consciência e, talvez por isso, seja tão difícil admitir que em algumas ocasiões, custa. Dói, sente o coração apertar-se e bombear com toda a força o sangue que lhe corre nas veias, gritando independência. Porque há dias em que não tem vontade de ser crescida. Há dias em que sente uma falta gigantesca da asa da mãe e dos vôos do pai e só quer regressar ao ninho e ser. Simplesmente ser.

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