terça-feira, 5 de janeiro de 2010


Procurei as chaves no fundo da mala, deixando que o tilintar me guiasse. Já com elas na mão respirei fundo e meti a chave à porta. Quebrei um silêncio que já possuía traços perenes e precisei de uns minutos para que os olhos se acostumassem àquela penumbra metafórica de umas três da tarde que só brilhavam lá fora. Os estores estavam corridos e as portadas fechadas, como se tivesses tentado isolar e preservar este bocadinho de mundo que um dia fora tão nosso. Percebi-me estática há longos minutos, depois de uma porta branca fechada e de uma dimensão que me absorvia. Avancei para uma qualquer janela e, com uma determinação puxada a ferros deixei o sol entrar. Fui sentar-me no cadeirão listado que era sempre das visitas, porque tu e eu tinhamos gostos diferentes no que toca a conforto e cada um escolhia cantos opostos do grande sofá camel da sala, e deixei-me estar a observar as partículas cintilantes de uma poeira acumulada em tempos de ausência. Era Setembro e eu estava apenas de vestido e sandálias nos pés mas, ao olhá-los e fitando as unhas cuidadosamente coloridas de encarnado, voltei a Dezembro. Dezembro de anos passados, onde ficava horas em frente à lareira, perdida no crepitar da madeira e no cheiro a eucalipto que emanava da mata, lá fora, e chegava pelas frinchas das janelas. Os pés nús não se ressentiam do frio e a carpete era suficientemente macia para que me sentisse confortável ali, nas minhas viagens interiores. Sempre soube que fingias trabalhar quando te sentavas na mesa grande da sala, porque percebia os teus olhos fitando-me a nuca, com interrogações que jamais ousaste verbalizar. Chamavas-me borboleta pela posição difusa em que me sentava, sempre que chegava o Inverno e o rugir quente da lareira me atraía. Um dia, esqueceste o trabalho que não fazias e vieste sentar-te a meu lado, pousando a tua cabeça no meu ombro, num pedido delicado sem discursos elaborados.

- Tenho medo.
- De quê, meu querido?
- De que um dia partas, de vez. De que não te chegue o calor da lareira e me deixes aqui, sem saber imaginar como tu, sem ti.
- Sabes que mais? Não devias temer nada disso.
- Não? Porquê?
- Porque onde quer que vá, vais comigo. E mesmo que um dia sejas só tu, dançando com as labaredas, volto de passos apressados porque sei como detestas dançar sozinho. Já criámos demasiados laços para nos apagarmos um do outro. Tens raízes em mim, nunca te disse?

E acabei mesmo por ir, na busca de outros Invernos que não o teu. Passei por todas as estações do ano, em vários pontos do Mundo e agora.. Agora estou aqui. Porque não te sei (nem quero) arrancar do peito. Hoje é a minha vez de ter medo, neste Verão tardio de Setembro quente. Já abri as janelas e deixei o sol entrar. Só preciso que entres também por aquela porta branca e me garantas que nada mudou.

6 comentários:

Anónimo disse...

Este foi dos textos mais maravilhosos que li - até a gora o meu preferido deste teu cantinho.

Um beijinho :)*

Anónimo disse...

Fosca-se!

Anónimo disse...

está tão lindo +.+

Anónimo disse...

porra :'X
estava mesmo a precisar.
obrigada querida.
vou guardar estas lindas palavras,...
posso usar parte um dia no meu blog?

um beijo

Anónimo disse...

Esta lindo (:

Teresa Vilela disse...

aim, menina