sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Hable con ella.


Tantas e tantas vezes aquele pensamento lhe tinha bailado na mente. Começaria com um pequeno corte, sabendo a fúria que aquilo despertaria, pronta para rasgar tudo e re-inventar o velho. Quando ia na rua conseguia imaginar a cena, nos outros. Simplesmente refazer-lhes as roupas como quem refaz a alma, naqueles com quem cruzava caminhos e percebia tristes, numa troca de olhares comum, ordinária de um quotidiano entediante que poucos sabiam fantástico. Como em tudo era mais fácil começar pelos outros. Tinham sido demasiadas as vezes que se tinha plantado em frente aos armários, abertos de par em par, disposta a fazer uma selecção e a reutilizar, renovando, o que era incapaz de deitar fora. E nem disso fora capaz. Isto é capaz de dar jeito, isto é tão confortável, isto foi me dado por.. Desculpas impingidas mas que sempre comprava, como algumas peças que jaziam, inutilizadas desde que sairam do saco colorido da loja. E assustava-a imaginar-se assim em tudo o resto. Conforto nas relações, monotonia na vida, tédio do dia-a-dia. Seria? Talvez andasse demasiado adormecida para compreender o que ja tinha arrumado interiormente. Talvez não visse a olho nú todas essas mudanças, de maneira exterior. Ou talvez não. Pisava demasiadas linhas e sabia-se ténue nos limites, a verdade era essa. Perdera a mestria do ponto de cruz e, hoje, nem um botão saberia coser se lho pedissem. Os laços que atara e desatara vezes sem conta eram agora linhas de pontas perdidas, algures ligadas entre si ou embrulhadas num sem fim de fios sem dono. As cores eram demasiado semelhantes para saber distinguir quantos novelos trazia no saco e começou a temer ser daltónica.

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