quinta-feira, 3 de março de 2011

Amor de fel.

Existiram, em doses extremadas, mulheres na minha vida e não minto se te disser que de muitas pouco recordo. Soltarias uma das tuas gargalhadas estonteantes caso realmente me prostrasse com isto, cara-a-cara. Poderia até palpar nos teus olhos o inchar da tua crença, à medida que observavas como manipulo tal afirmação, como quem não quer confirmar mas dilatando a menina-do-olho ao tom firme do que te diria. Ponderando tudo isto, talvez não fosse necessário reafirmar-te o que quer que fosse. Foste a única que preencheu recantos que eu mesmo desconhecia e foi contigo que fiz a viagem mais longa, na aventura de mim mesmo. Crianças. Éramos crianças quando tudo começou e nas minhas mãos fizeste-te mulher. E eu, menino amadurecido pelo teu amor abrasadoramente quente, enriqueci-me no teu regaço. Eu, menino trapalhão, não soube que fazer de ti quando sumptuosamente dei por mim a admirar-te, sabendo do teu desejo de mais. Encontrei-me menino feito homem e ambicionei mais, talvez a medo de não te valer na voluptuosidade da carne e do espírito. As minhas mãos rugosas, de nervos comidos a dedos, moldavam-te o corpo e tu, a jeitos de corpo inteiro, transformavas-me a alma. As outras (talvez não tenham sido assim tantas) pegaram pelo reverso. Pelo alinhar perfeito dos meus dentes, pelas mãos longas e sábias, pela inocência pouco real do olhar e pela meninice apagada na cicatriz do queixo. Quiseram-me o corpo e nunca vislumbraram a fundura da alma. À tona da água deixei-as boiar, pouco me interessava que mergulhassem porque em nenhuma delas corri risco de me afogar e renascer. Vislumbro-te pelo canto do olho quando digo isto e a partir de agora és um livro aberto, minha querida. Não sabias que é simplesmente isto que procuro? O renascimento noutrem? Olho-te nos olhos e lá está, o brilho fantasioso do desafio, de quem quer arriscar uma e outra vez. Vejo-te morder o canto do lábio e percebo como desistes, por não te devolver a vivacidade do olhar descoberto. Já não sou a tua praia e talvez seja isso que me martirize a sobriedade. Isso ou o gargalhar estonteante que atravessa esta mesa redonda e me faz querer-te para mim, uma e outra vez, como andorinha de Primavera.