sábado, 10 de julho de 2010

Love freak.

Sabem aquele rapaz por quem todas as raparigas tiveram uma paixão, nos tempos do secundário? O Gustavo era esse rapaz. A pele morena independentemente da estação do ano era brilhantemente salpicada de uns olhos verdes emoldurados a sardas traquinas, como se dali fossem transpirar gargalhadas míudas. Olhava-se para o Gustavo e tudo nele era cativante. Era fácil cair na tentação de julgar que tanta perfeição era irreal, como se não fosse possível aquela combinação de minuciosos detalhes. Arrancava suspiros sem se dar conta e tinha um sorriso imaculado, de anjo redondo de Renascimento. As míudas queriam namorá-lo, os rapazes não compreendiam o fascínio, a magia. A verdade é que, nos tempos do secundário, o Gustavo podia ser o cavaleiro andante de quem quisesse. Nunca quis. Nunca nenhuma lhe caiu na graça da sua personalidade sardenta, excepto eu. Eu, que nos tempos do básico nutrira uma profunda paixão pelo Miguel, irmão gémeo do Gustavo. Eu, que nunca lhe dera qualquer importância por julgá-lo demasiado risonho, para lhe confiar os meus trust issues e a minha transparência. Um palmo acima de mim, um dia, beijou-me a testa. A minha compreensão franziu o sobrolho e neguei o pé a fundo no acelerador das borboletas que me agitavam o ventre. Partilhávamos a mesma carteira por pura coincidência, nas aulas de Biologia, e nunca compreendi o que é que ele fazia ali, enchendo cadernos de desenhos. Por vocação não era, descobri um dia. E eu, que nos tempos de básico alimentará uma paixoneta infantil pelo Miguel, deixei-me enredar no licor embriagante do Gustavo. A traço de carvão tatuou-me no peito uma definição diversificada de Amor, dos de maiúsculas. Desenhou-me inúmeras vezes, numa arte só dele e da nossa solidão, explicando-me que era o mesmo que compor baladas. O pastel arranhava o papel cavalinho e eu, pele de galinha na minha nudez de musa, deixando-me embalar naquela melodia fruto de êxtases de génio. O Gustavo, realeza do secundário, encheu-me de risos míudos multicolores e eu, sardenta nas suas artes inquietantes, tornei-me mulher. Sedenta.

2 comentários:

Anónimo disse...

Também conheci um Gustavo. Chamava-se Marco.
Gostei especialmente do toque do Renascimento, és cheia de classe tu.

Unknown disse...

adorei o texto!
segui!