Cry me a river.

Ela ainda pasmava sempre que entravas na sala, em qualquer sala. Sabia-te de cor o swing e via como cada uma delas deixava escorrer o coração até aos saltos altos que as transmutavam de meninas para mulheres. Para ti cada olhar funcionava como um holofote e não havia nada que gostasses mais que essa spotlight onde te embrenhavas. Curiosamente a parceira deste tango que sempre precisou de dois elementos, era ela. Nenhuma das outras que te juravam o amor nos corpos quentes e efémeros, mas ela. A única que te olhava no fundo da alma, quando lhe estendias a mão, num gesto convidativo e alucinante. E não era preciso muito mais para que a magia começasse. Os corpos entendiam-se numa linguagem só deles e ela voltava a pasmar, sempre que se capacitava disso. Sabia-te de cor mas isso não a impedia de morder o lábio, num desejo que se misturava com o medo de que um dia não fosse ela a escolhida para se deixar levar nos teus blues. E esse dia chegou, porque a vida é feita de ciclos e todos os ciclos têm um fim. Entraste, triunfal como sempre, e ela impacientou-se na cadeira. Disfarçou acendendo um cigarro e virando costas à porta onde te mantinhas, impávido. O dedo deslizava no rebordo fino do copo, sentindo-se ela também assim, da fragilidade do cristal. Ouvia-te os passos seguros, o timbre que sempre a tinha feito tremer e a gargalhada estonteante. Soube, naquele instante, que tudo tinha ardido, na certeza que mão alguma atearia aquelas brasas. And then she realized.. You're just a spoiled little boy, wearing daddy's suit. E saiu, por saber que desta vez o dom da adivinhação estava certo.