quinta-feira, 20 de agosto de 2009


Durmo com um bloco de notas e uma caneta à mão na mesa de cabeceira desde que ouvi o António dizer que "é sempre ao crepúsculo que as desgraças começam".
No meu crepúsculo começam-se histórias e escreve-las ajuda-me a mantê-las vivas. É nas noites mais calmas que o monstro das letras surge, quase como uma maleita que me devora a alma, prazeirosamente. E eu deixo. Importe-me eu com as horas que o relógio marca e tudo se perderá, eternamente. A escrita não conhece o tempo; nunca foram apresentados no meu mundo de papel amarelado. E, caprichosa como só ela, surge em passos estridentes, madrugada adentro. Se me importo? Não, minha cara. Be my guest. Chegas quando tens que chegar e é com essa mesma simplicidade que te acolho. Não se trava o intravável e, no dia seguinte, a tristeza seria só minha por te ter perdido entre lençóis de linho e noites quentes demais. Embalada pelos carros que passam, pois a cidade nunca dorme, escorres-me pelos dedos como se os próprios fossem canetas de tinta azul (ou preta, verde, vermelha.. tanto faz). E se não amasse este ofício transbordante de lazer, negar-te-ia ao primeiro vislumbre do ponteiro que me gira no pulso. Sempre gostei de relógios, mais pela beleza de cada um do que pela utilidade do tic-tac delimitativo. Para quê tempos se cada um vive o seu? Pudéssemos nós coordenar-nos e compreenderíamos que não estaríamos felizes.
A vida tem ritmos, não tempos. Assim como a escrita.

2 comentários:

Margarida disse...

compreendo-te tão bem, e a tristeza é tão grande quando se perdem palavras.

Anónimo disse...

Li alguns textos teus, esculpa a invasão masadorei este teu cantinho. :)

"Para quê tempos se cada um vive o seu? Pudéssemos nós coordenar-nos e compreenderíamos que não estaríamos felizes. A vida tem ritmos, não tempos."

Escreves com calma e sabedoria, serenidade.

Um beijinho:)*