terça-feira, 30 de junho de 2009

They say the passion may not always endure.

Audrey Hepburn - Breakfast at Tiffany's

Há hábitos que não se quebram, por mais hábitos que sejam. Ela era assim, um animal de hábitos que nada tinham de rotineiros. Sabia que muitos reparavam nela ao passar, nunca tinha compreendido bem porquê. Hoje, ao passar por aquele míudo que lhe soprou um beijo, nem se deu ao trabalho de corar. Enquanto subia o viaduto largo, ladeada de árvores ancestrais, pensava nisso. Um beijo soprado assim, do nada. Acompanhado de um "ei, míuda!", e a míuda era ela que tinha idade para ser irmã (bem) mais velha dele. Arquitectou hipóteses porque gostava de descobrir o incompreensível. Não era propriamente discreta, na sua graça de garça, nariz empinado e olhos expressivos, de pestanas de boneca. Também sabia que o seu corpo falava sozinho uma linguagem que poucos compreendiam. E ria alto, bem alto quando algo lhe caía realmente no goto. Riso de lágrimas gordas de satisfação até. Seria por isso? Também podia ser dos óculos de sol bizarros, do cabelo desalinhado ou do hábito de morder o lábio, sensualidade inerente que nem ela sentia surgir. Sorriu, quase corando como se só agora o elogio a tivesse atingido. Pensou nos cigarros (também eles um hábito), sempre encarnados que para light bastava-lhe o físico e no ginger ale, bebido com calma, revolvendo a palhinha entre as mil pedras de gelo. Nada disto poderia cativar quem quer que fosse, mas a verdade é que era aí que se notava diferente. Nos rituais inerentes à essência de ser, da espontaneidade marcante que denunciava na colher que mexia o café, indiferente ao sentido dos ponteiros do relógio. Remexeu o cabelo, mais um hábito. Sabia-se leoa adormecida, na postura de animal que foi quebrado para trazer pela trela ou ficar por casa, mas nunca leoa de cativeiro. Sempre se evitara de ter filtros e, apesar de isso lhe ter custado alguns remendos no coração, nunca instalou esse upgrade. Não vinha de raíz, provavelmente nunca iria saber usá-lo. Outros faziam a triagem por ela e amavam as várias que sabiam correr-lhe no peito.

2 comentários:

Anónimo disse...

Mania q escreve bem!

luis nuno barbosa disse...

eu ADOREI este texto. comecei a ler e não deu mesmo para parar!
não há outra hipótese, vou seguir este blog =)

não há palavras, mesmo!