domingo, 6 de outubro de 2013

addition

Todas as mulheres têm este complexo de salvação - uma merda. Ou queremos salvar ou queremos ser salvas, não somos tão difíceis de compreender assim.
E quando encontrares a tal, saberás. Saberás porque quererás salvá-la tanto quanto ela te quererá salvar a ti. 
Uma merda esta atracção para o abismo e a necessidade de fugirmos dele. A força que nos expele é a mesma que nos puxa e tristemente caminhamos, procurando a redenção num corpo tão humano como o nosso, desfeito em carne, suor e lágrimas. Acreditamos poder travar o passo certo para o nada e assim resgatarmo-nos, penhorando quem somos no gesto altruísta de salvarmos a nossa própria pele. 
Quem acredita em almas gémeas não pode senão acreditar nisto: que na salvação do meu próximo reside a minha. Na paz do homem que amo, resido eu, mesmo que nem um fio do meu cabelo consiga preservar. E uma alma ancestral presa num corpo jovem necessita de algo em que acreditar. Acreditamos então em metades perfeitas - pode ser que o caminho da salvação não seja uma merda assim. 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Dicotomia.

Venho aqui sempre que os dedos me pedem. Sempre que o coração me pede. Umas vezes para escrever, outras para me reler. Num ímpeto egoísta e auto-centrado, tenho gosto em reler-me. Na maioria dos casos, acabo cada excerto com um sorriso, por conseguir localizar com precisão a motivação do texto, a fluência de tais letras, mais ou menos cruas. Curioso, isto da escrita. Curiosa, esta palavra - curioso. Os dias têm sido pontuados desse sentimento de ambição estimulante, interessante. Os dias têm-se alongado, como um gato que se estende num parapeito morno e eu sinto-me a minguar, sem saber bem porquê. Talvez seja do reflexo, do que encontro aí. Vejo-me e revejo-me e gosto da que me responde do lado de lá da mágica superfície espelhada mas... Há sempre um mas. Dou por mim em incessantes dúvidas e constantes mutações. O que foi já não é. Dificilmente o virá a ser. E a melancolia tem um travo doce, de romãs. Escorre-me pelo queixo, enquanto observo como me sorri, satisfeita. Há cores, há sabores. Há branco e preto e há cheiros que me remetem para sensações que questiono se vivi.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Efémero enleio. (*)

O desamor é sempre igual. Por mais floreados que lhe acrescentemos, independentemente dos gemidos carpidos ou resguardados num silêncio resfolgante, o desamor é sempre igual: dói. Ponto final. E a dor não se mede em minha, tua, nossa - não há determinantes possessivos nem sintaxe que valha ao desamor. Dói e não há artefactos que o amaciem, o único a fazer é deixar arder. Expor a ferida ao ar e à bondade próspera da cura ajuda à cicatrização; evitar meter o dedo na ferida também. O desamor dói e até ganhar crosta precisa de cuidados e paciência, quando faz comichão - sobretudo quando faz comichão. Deitar-lhe unhas é perder tempo, é estragar caminho. O trilho é sempre o mesmo, por muitas veredas flamejantes de salvação que se nos apresentem. Vergar silvas e mato só polui a atmosfera da dor, negra por si só. O desamor é sempre igual, sempre que haja amor. Dói, arde, é visceralmente desconcertante e pede algo que nunca ninguém tem, ao sentir-se desembaínhado - tempo.

(*) do poema "O Lenço", de Henrique Rego

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Reminiscências.

Sempre que ando de transportes, sento-me à janela. Escolho um lugar que me permita observar o que se passa fora da lata amarela onde me movo, ou que me deixe absorver os ténues raios de sol que Janeiro me dá. Hoje revivi todos os meus amores, começando no primeiro, terminando no que ainda está por cicatrizar.
Nunca procurei namorados, foram sempre eles que me encontraram. Habituei-me a ser a miúda alta, que dava nas vistas pelo riso borbulhante e por não se preocupar muito com o que os outros pensam. Não procurava namorados porque ambicionava o Amor que o cinema e os livros me incutiam. E os namorados encontravam-me, nem sei bem como. O meu primeiro amor tinha olhos rasgados e o nariz pontuado de sardas. Não dizia os l's e tinha um nome cheio deles, o que me enternecia de tal maneira que acreditei ser amor. Eu já era um bicho raro nessa altura, de pescoço esguio e pernilonga, e quando nos olhávamos nos olhos, havia uma discrepância de centímetros que tornava tudo mais engraçado. Perguntavam-me se não me importava e respondia sempre que não. Afinal ele era meu namorado e trazia na pele um cheiro adocicado a alfazema e sabão que me fazia sorrir. Dava-me a mão com força e protegia-me do frio, quando namorávamos no jardim. Tinha uma mota mas nunca lhe dei esse voto de confiança, de o abraçar pelas costas e deixar-me à porta de casa, com o barulho de motor de fundo e um beijo fugido. Foi a primeira cicatriz que me lembro de ter deixado em alguém, a falta de confiança naquele amor, regado a ímpetos adolescentes e inocentes. O nosso primeiro beijo aconteceu nas traseiras de um bar, no muro do court de tênis. Ainda me lembro do pullover azul que trazia, uma das abas da camisa de fora, outra para dentro. Fazia frio e pegou-me na mão. Olhei-o dando uma gargalhada das minhas, que acabei por calar perante um olhar rasgado e traquino. Sentou-se mais perto e embriaguei-me de alfazema, pela primeira vez. E hoje, que tudo isto aflorou, trago o cheiro comigo como se tivesse sido ontem o primeiro beijo.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A Tita.

A Tita tem 11 anos, (quase 12, Ana!, alerta-me, não vá eu não estar bem ciente das coisas) e preocupa-se porque ainda não tem, nem nunca teve, um namorado. Esboço um sorriso de tu sabes lá, discreto, para não ferir as suas susceptibilidades e pergunto apenas, Queres casar?. Diz-me que sim, questiono com que idade se vê a casar. Esboça-me um sorriso de tenho-te como modelo e responde-me que quer casar aos 23. Explico-lhe que ainda não sou casada, apesar dos 23 (a chegar aos 24, Ana!, alerto-me a mim mesma não vá eu não estar bem ciente das coisas) e que se assim é, ainda tem 11 anos para namorar. Sussurro-lhe entre dentes que não tenha pressas, que o Amor não é apressado e demora a chegar. Esboça um sorriso de tenho ânsia de viver, e não falamos mais em Amor ou namorados. A Tita é uma menina, uma criança no fundo, e apetece-me contar-lhe que os namorados também dão chatices e dores de cabeça. Que nem sempre o Amor é aquilo que imaginamos e nos mostram nos filmes. Que há uma história que continua, porque na vida não há créditos no final. A Tita é uma menina como um dia eu já fui, com uma criança lá no fundo, ansiosa por viver. Não lhe conto nada disto e trago o discurso para casa, amarrotado no bolso das memórias de quem já teve namorados e deixou de ter, mais preocupada com uma vida de maiúsculas do que com amores de trazer por casa. A Tita vai descobrir isto tudo, à maneira dela, com mais ou menos desilusões, com mais ou menos namorados e tentativas falhadas. E se a Tita for mesmo como eu, um coração menino e crente, nunca desistirá.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Remember the corner.

Palminho a calçada como quem a sabe de cor. Sei bem que ao virar a esquina e sorrir para o rapaz do café, não te vou encontrar dentro do carro, à minha espera. Sei bem que não estás mas o meu coração não é fanático do entendimento e ainda espera. Ainda espero que me surpreendas e chegues, como acontece nos filmes, pronto para dizer que cometeste um erro, que te precipitaste, que não precisas de estar sozinho mas sim de mim. Do meu calor, do meu abraço, do nosso amor. O cérebro solta centenas, milhares de hormonas que provocam esta insana expectativa num pobre coração que já devia saber melhor como se escreve uma história como a nossa. E se nada disto me apaga o sorriso na cara, também não me passa ao lado, na esquina da mágoa. Porque a cidade fala-me de ti e não sei como calá-la.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Animus. #2

Tornei-me um bicho frio. Continuo a ter um coração grande, em demasia como tantas vezes partilho com a Joana, mas mutei-me num auto-controlo que não sinto como pele. Não parece minha, esta frieza perante afectos tão claros, tão teus. Talvez seja o meu gato, cá de dentro, escaldado e com medo de mais uma banhada de água gelada. É inverno e sou mais de me enrolar nas mantas e observar, enquanto os humanos se envolvem em histórias de amor, com jeitos de filme de Domingo à tarde. Fico assim, vendo o jogo de fora, na esperança que os joelhos sarem porque, como o Nuno me ensinou, foram feitos para esfolar. A problemática prende-se com o facto de que os meus já são só pele e osso, é preciso curar ou o próximo passo é a quebra. E, acredita em mim, não me queres quebrar. Posso ser um bicho frio mas corre-me no sangue o calor latino de quem não se deixa domar. E duvido que isto, como o coração grande em demasia, alguma vez mude.